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Ex.mo Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Passos-MG.





Ação Civil Pública.








Este representante do Ministério Público, na titularidade da Curadoria de Defesa do Consumidor, valendo-se de suas funções institucionais, dentre outras, aquela positivada no art. 129, III, da Constituição Federal, vem a presença de V. Ex.ª propor a presente Ação Civil Pública com pedido de Antecipação da Tutela, sob o propugnáculo dos arts. 1.º, II, 11, e 21 da Lei n.º 7347/85, c/c os arts. 81, III, 82, I, 84, §§ 3.º e 4.º, e 90 da Lei n.º 8078/90, e art. 273 do Código de Processo Civil contra:


TELEMIG - Telecomunicações de Minas Gerais S/A, inscrita no C.G.C. sob o número 17.184.201/0001-99, com escritório (neste município) na Rua Dr. Saturnino , 55, em razão do exposto a seguir.

Dos Fatos



Fulana de Tal, coordenadora do PROCON municipal, com a prerrogativa que se lhe outorga o § 4.º do art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, requereu, desta Promotoria, o ajuizamento de ação coletiva, em nome dos consumidores que representa, contra a TELEMIG, alegando que as relações de consumo entre aqueles e esta estariam pautadas na iniqüidade e no desequilíbrio entre os direitos e obrigações.

Noticiou-nos, de plano, que reiteradas vezes, consumidores vêm formalizando suas reclamações junto ao PROCON local dando conta de terem suas linhas telefônicas confiscadas pela TELEMIG, por deixarem de pagar as tarifas devidas por mais de 90 (noventa) dias.

Para inteirarmo-nos dos fatos, remetemos ofício ao Sr. N, Gerente de Negócios da empresa no município, indagando-lhe o fundamento legal da retomada das linhas telefônicas, o critério utilizado para tal procedimento e a relação dos consumidores que tiveram alijados os seus direitos às linhas telefônicas em razão de inadimplemento das tarifas, tudo na forma do art. 26, I, "b" da Lei n.º 8925/93.

Como fundamento "legal" para o confisco das linhas, citou-nos o item 62, "c", da Portaria 663 de 18/7/79, que determina:

"o cancelamento da assinatura ou locação, após 90 (noventa) dias do vencimento sem prejuízo da exigibilidade do débito e da conseqüente retirada das instalações e equipamentos de propriedade da Prestadora".

Quanto ao critério utilizado pela TELEMIG para a retomada das linhas telefônicas dos assinantes/locatários, informou dar-se de "forma isonômica, sem qualquer tipo de discriminação, a todos os clientes que se enquadrem nessa situação". Anexou, ainda, em resposta ao nosso ofício, relação dos assinantes que perderam suas linhas telefônicas em razão de inadimplemento das tarifas por mais de 90 dias, conforme solicitado.

O PROCON interveio em favor dos consumidores reclamantes, tentando uma composição com a TELEMIG, mediante a qual as linhas telefônicas confiscadas seriam restituídas ao sinal de quitação das tarifas em mora. O negócio não vingou, sob a indeclinável égide da Portaria 663/79.

Percebe-se a situação de impotência dos usuários que tiveram alijados seus direitos, já reconhecida pelo legislador, que admite a vulnerabilidade do consumidor face o produtor e/ou fornecedor de serviços (art. 4º, I, da Lei n.º 8078/90).



Da Questão Prejudicial: Inconstitucionalidade da Portaria 663 de 18/7/79.



Embora ao estrito rigor técnico possa parecer esdrúxula nossa tese de inconstitucionalidade de Portaria, com efeito, assim não o é.
Dos prolegômenos do Direito Constitucional, infere-se que a inconstitucionalidade é o que se dá num "determinado tipo de relação entre a Constituição e um ato que lhe venha imediatamente abaixo" . Essa relação pauta-se pela contrariedade entre uma e outra norma.

Sem prejuízo de que a Portaria seja um ato administrativo ordinatório, força é convir que o dispositivo invocado pela TELEMIG para justificar o confisco das linhas telefônicas tem um efeito geral e vinculante, próprio das leis e atos normativos. Ora, os atos normativos, passíveis do vício da inconstitucionalidade (art. 102, I, "a", da Constituição Federal) não constituem um numerus clausus, a exemplo do que ocorre com as "leis", entendendo-se por tais as espécies elencadas no art. 59 da Constituição Federal. Assim, tendo o ato um efeito geral e vinculante, equipara-se a ato normativo, para efeito de controle de constitucionalidade.

Ainda que assim não o fosse, o dispositivo esposado pela TELEMIG é ilegal, porquanto relega, como se verá, princípios gerais de direito. E justifica a anulação do ato administrativo "o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito ".

Poder-se-ia argumentar, então, pela anulação do ato ilegal, e não por sua argüição de inconstitucionalidade.

Ocorre que "a inconstitucionalidade nutre estreita semelhança com a ilegalidade. Em ambas as hipóteses, está-se a apontar para a existência de um vício formal ou material que vitima o ato subordinado. O que distingue uma da outra é a qualidade do ato imediatamente ofendido. Se se tratar da Constituição, temos a inconstitucionalidade. Se se tratar de lei, temos a ilegalidade" . Vejamos, pois, a "qualidade" do ato ofendido pela Portaria 663/79:

"Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". (art. 5.º, LIV, da Constituição Federal de 1988, sublinhado nosso).

Se é defeso ao particular o uso arbitrário de suas razões na cobrança de seus créditos, que dirá de uma empresa concessionária de um serviço público? Tem-se aqui maculado outra garantia constitucional, pela qual "todos são iguais perante a lei" (art. 5.°, caput, da Constituição) . É dizer, a TELEMIG, ao seu alvedrio, não pode invadir o patrimônio de suposto devedor, desapossando-o de bens que foram legitimamente adquiridos.

No mais, a Constituição, ao tratar dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, reprime o "aumento arbitrário dos lucros" , que, no caso, equivale ao enriquecimento ilícito. Sim, pois a TELEMIG, além de cobrar o débito dos serviços utilizados pelo consumidor, concomitantemente se vê no direito de confisco do bem. Tal proceder, induvidosamente, ofende o § 4.° do art. 173 da Constituição Federal.

Vê-se, destarte, que o dispositivo invocado pela empresa de comunicações é ilegal porquanto agride princípios de direito; e sua ilegalidade transmuta-se em inconstitucionalidade, da percepção de que os princípios relegados são constitucionais.

"Não há controvérsia mais séria do que o saber se o ato normativo consoa, ou não, com o texto constitucional. Nesse momento o Judiciário está 'dizendo o direito' no mais expressivo dos litígios ocorrentes no Estado: o confronto entre a manifestação de um órgão constituído (atos normativos) e a manifestação anterior do poder constituinte (Constituição)" .

Ora, em sendo a inconstitucionalidade, no dizer de Celso Ribeiro Bastos, vício inerente às normas editadas pelo Poder Político, que encerram uma relação de contrariedade com a Constituição, e, por outro lado, estando a Portaria 663 (18 de julho de 1979) impregnada dessa relação de contrariedade com o Texto, faz-se mister, para prevenir a ocorrência de lesão ao direito invocado nesta Ação Civil Pública, a argüição de inconstitucionalidade deste ato, adotando-se a via de exceção, dado que o ataque ao vício de validade dar-se-á no caso concreto, no âmbito do processo comum.

De forma indelével, o poder constituinte originário positivou princípios de direito, elevados à categoria de Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5.º, caput, e seu inciso LIV da Constituição Federal). Não se nos parece razoável que uma Portaria extrapole os limites da administração interna para macular preceitos constitucionais, fruto de conquistas liberais de há muito labutadas, enfim, direitos sobre os quais não pode dispor, sobremodo quando exclui, da apreciação, o Judiciário.

Se é um direito constitucional o direito de todos à gestão de seus bens, só deles podendo ser privados mediante um processo legal, então como pode um ato infraconstitucional insurgir-se contra a ordem que o sustém?

Com efeito, a Portaria 663, de 18 de julho de 1979 (Ministério das Comunicações) não foi recepcionada pela Carta Política de 5 de outubro de 1988.

Postas estas considerações, pleiteia-se, de Vossa Excelência, a título de questão prejudicial, o conhecimento e a decisão da inconstitucionalidade da Portaria 663 (18/7/79), pelos motivos que procuramos expor.



Do Direito



Da Abusividade Do Confisco Das Linhas Telefônicas


Positiva o art. 39, V do Código de Defesa do Consumidor ser defeso ao fornecedor de produtos ou serviços exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.

Não se concebe maior excesso que o praticado pela TELEMIG: ao confiscar as linhas telefônicas pelo não pagamento, por mais de 90 (noventa) dias, das tarifas devidas, está a empresa a exercitar um pretenso direito que, todavia, se lhe não assiste, qual seja, o direito de seqüela, um dos traços dos Direitos Reais.

"O telefone do brasileiro é um bem, pertence à sua família. Está listado no imposto de renda na coluna do patrimônio, declarado em testamento e lembrado na hora do divórcio" .

O confisco dos direitos à linha telefônica consubstancia-se num grave constrangimento, mormente pelo fato de não haver, nesta "execução", participação do Judiciário.

"Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça". (art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, sublinhado nosso).

Ainda que se não decida pela inconstitucionalidade da malfadada Portaria, o que, veementemente não se espera, e que se argumente que a inserção de seu texto na Lista Telefônica da região faça às vezes de aceitação tácita contratual, faz-se mister notar que suas hipotéticas "cláusulas" seriam abusivas:

São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

1º)-subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, art. 51, II;

2º)-estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade, art. 51, IV;

3º)-estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor, art. 51, XV

Segundo a lei consumeirista, presume-se exagerada a vantagem contratual que:


1º)-ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence, art. 51, § 1.º, I;

2º)-mostra-se excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso, art. 51, § 1.º, III.

Não olvide-se ainda que, para o Estatuto do Consumidor, se o constrangimento utilizado na cobrança de dívidas é físico ou moral, configura-se crime contra as relações de consumo (arts. 61 e 71 da Lei n.º 8078/90).



Da Legitimidade do Ministério Público Para o Patrocínio de Direitos Individuais Homogêneos



"A Constituição Federal, no art. 129, III, estabeleceu como uma de suas funções institucionais 'promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos'.

Os interesses ou direitos dos consumidores, sem dúvida alguma, estão abrangidos pela cláusula de encerramento contida na parte final do texto.

Também incumbe ao Ministério Público proteger os interesses individuais, desde que homogêneos e tratados coletivamente, na forma do inciso III do parágrafo único do art. 81 do Código" .

No dizer de Hugo Nigro Mazzilli, o Ministério Público somente está legitimado para a defesa dos interesses individuais homogêneos se essa defesa convier à sociedade como um todo . E, dado que a agressão aos direitos dos assinantes/locatários dos serviços da TELEMIG macula uma garantia constitucional, força é convir com a imprescindibilidade da atuação ministerial na tutela coletiva desses interesses.

Ademais disso, também o § 4.º do art. 51 autoriza o Ministério Público ao ajuizamento de ação com vistas à declaração de nulidade de cláusula contratual que contrarie dispositivos insertos no Código de Defesa do Consumidor .


Da Propriedade Da Ação Civil Pública Para A Defesa Dos Interesses Individuais Homogêneos


Entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública há a mais perfeita consonância, exteriorizada já no prelúdio desta:

"Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos causados ao consumidor". (art. 1.º, II, da Lei n.º 7347/85).

Ora, não bastasse a extensão do alcance disciplinar da Lei n.º 7347/85, que resguarda os interesses dos consumidores, quer sejam eles difusos ou coletivos, o Código do Consumidor, em seu art. 83 assegura serem admissíveis, para a defesa dos direitos e interesses por ele tutelados (e aqui se enquadram os direitos individuais homogêneos), todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

Destarte, o art. 83 da Lei n.º 8078/90 é a consagração dos hodiernos princípios da instrumentalidade e efetividade do processo no resguardo dos interesses e direitos dos consumidores. Na esteira desse raciocínio, Kazuo Watanabe entende o dispositivo como a "interpretação do sistema processual pátrio de modo a dele retirar a conclusão de que existe, sempre, uma ação capaz de propiciar, pela adequação de seu provimento, a tutela efetiva e completa de todos os direitos dos consumidores" . Daí, a adequação e propriedade da presente Ação Civil Pública para a apreciação do feito.



Da Antecipação da Tutela



Existe, em determinadas circunstâncias, "o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal. São reclamos de justiça que fazem com que a realização do direito não possa, em determinados casos, aguardar a longa e inevitável demora da sentença final" .

Segundo o magistério de Luiz Guilherme Marinoni, aqui perfeitamente aplicável, "se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana, e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração da justiça" .

No lusco-fusco do milênio, em que a globalização demanda das relações humanas uma constante conectividade e interatividade, e, por seu turno, consistindo o telefone, por excelência, o meio operante dessa interligação entre os indivíduos, torna-se imperiosa e imprescindível a antecipação, por Vossa Excelência, da pretensão deduzida no pedido principal, qual seja, a imediata restituição, pela TELEMIG, das linhas telefônicas aos assinantes listados, isto nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, c/c art. 84, § 3.º, da Lei n.º 8078/90.

Acatada a pretensão antecipatória, e, por seu turno, ante o não cumprimento voluntário da determinação, requer-se a imposição de multa diária à TELEMIG no importe de R$ 10.000,00 (Dez mil reais), nos termos do art. 84, § 4.º, do Código de Defesa do Consumidor.



Do Pedido Principal



Por fim, este órgão ministerial, na tutela coletiva dos interesses individuais homogêneos requer, de Vossa Excelência, julgue o pedido procedente, nos seguintes termos:

1º)-declaração de inconstitucionalidade do item 62, "c", da Portaria 663, de 18/7/79, do Ministério das Comunicações, em face do art. 5º caput e inciso LIV, e art. 173, § 4.º, da Constituição Federal;

2º)-declaração de nulidade da cláusula contratual que impõe ao consumidor inadimplente a perda dos seus direitos sobre linha telefônica a favor da TELEMIG;

3º)-restituição, em definitivo, as linhas telefônicas arbitrariamente confiscadas, a todos os usuários listados na documentação anexa;

4º)-extensão do benefício pleiteado a todos os usuários que tiveram suas linhas confiscadas pela TELEMIG, pelo não pagamento das tarifas por mais de 90 (noventa) dias, em razão da eficácia que adquire a sentença civil na Ação Civil Pública, nos termos do art. 16 da Lei n.º 7347/85.

Requer mais, nos termos do art. 461, § 4.º do Código de Processo Civil, e art. 11 da Lei n.º 7347/85, seja imposto à requerida multa diária, no importe de R$ 10.000,00 (Dez mil reais) em caso de descumprimento da obrigação, além da condenação nas custas processuais.

Outrossim, requer a citação da TELEMIG, por seu representante legal, para os termos desta, protestando provar o alegado por todos os meios de provas admitidos.

Para efeitos processuais, atribui-se à causa o valor dado aos feitos de caráter inestimável.


Passos, 21 de setembro de 1997.

Paulo Márcio da Silva
Promotor de Justiça

Juliano Ribeiro de Oliveira
Estagiário

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