ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O MODELO DE EDUCAÇÃO
UNIVERSITÁRIA .
Refletir sobre o desempenho das Instituições de Ensino Superior
(IES) no Brasil implica em considerar não só as Universidades
de cará-ter eminentemente estatal, senão também as
particulares, destacando-se entre elas as Fundações Universitárias.
É propósito deste trabalho analisar o papel desenvolvido pelas
Fundações Universitárias dentro do contexto brasileiro,
destacando-se os aspectos como: o surgimento histórico das
universidades e o ensino privado nas IES.
A omissão de critérios acerca do tema será feita tomando-se
como base à política do Banco Mundial para América Latina e a
UNESCO, procurando compreender algumas das atuais contradições.
Historicamente falando, a Universidade surgiu na Baixa Idade Média.
Hastings in Tünnernn Bernherim (1996:11) afirma que:
"A idéia propriamente dita de Universidade é
essencialmente medieval, e que é curioso observar quanto
amplamente essa idéia continua dominando nossos modernos
sistemas educa-tivos".
Isto é, a forma de ensino enciclopédico, a organização por
facul-dades, a centralização, a burocracia e a hierarquização
se perpetuam ainda, de algum modo, nas universidades atuais.
Demais que a grande contribuição da filosofia moderna teve sua
origem fora da universidade, a título de exemplo, pensadores
como Miguel Servet, Galileu Galilei so-freram sanções pelo caráter
das suas investigações e não puderam for-mar parte das
universidades.
É importante destacar que no umbral do Século XXI, a concepção
napoleônica de educação que teve tanta influência no ensino
do Século XVIII, esteja, ainda, tão presente nas Universidades
da América Latina .
A criação de Universidades na América Latina esteve
relacionada estreitamente com a concepção bizantina e
confissional e traz consigo o embrião da escola particular . A
influência de Napoleão na concepção da Escola Pública
Universitária, isto é, como responsabilidade do Esta-do, não
significou que a mesma adquirisse caráter laico.
É importante destacar que a dependência da universidade do
monopólio do Estado deve-se à intenção utilitária do ensino
como forma de controle da moral pública, além de isolar a
investigação científica e a produção de conhecimentos sem
eliminar o ensino privado.
Cerca do ano 1257, os jovens que possuíam bens e que podiam
pagar seus estudos reuniam-se por nacionalidades para estudar ou
para viver, pelo que alugavam moradias. Pessoas caridosas tiveram
a idéia de hospedar, de forma gratuita, os pobres, esta é a
origem dos co-légios bolsistas que, posteriormente se
converteram em Fundações, e a partir do Século XV, as
Universidades (Sorbone) são obrigadas, tam-bém, a oferecer
hospedagem e alimentação grátis . Pode-se dizer que é o início
da educação financiada.
A criação de universidades em terras latino-americanas obedeceu
a dois modelos fundamentais: as estatais e as particulares (de
caráter católico, fundamentalmente). Como neste período a
Igreja caminhava ao lado do Estado, é difícil dizer onde começa
o estatal e o particular, de modo que, as universidades fundadas
nas colônias foram ao mesmo tempo pontifícias e reais.
De uma forma ou de outra, os motivos pelos quais se criaram
universidades no Novo Mundo são pragmáticos como: formar
religiosos para atender a demanda eclesiástica, dar oportunidade
para uma edu-cação mais ou menos similar da Metrópole,
preparar mão-de-obra na burocracia da colônia, papel que no
Brasil correspondia à Universidade de Coimbra (Portugal), pois
contrariamente aos espanhóis, os portugue-ses não fundaram
nenhuma universidade no Brasil no período colonial .
"As duas Fundações mais importantes no período colo-nial
foram as de Lima e México, ambas do ano 1551. Foram criadas por
iniciativa da Coroa e tiveram o caráter de Univer-sidades
Maiores, Reais e Pontifícias. Sua influência nas res-tantes do
Novo Mundo foi decisiva" (Bernheim, 1996:44).
Não obstante a importância dessas duas Universidades, a de
Santo Tomás de Aquino, em Santo Domingo, conhecida como primeira
Universidade fundada na América Latina (1538), é considerada
como a precursora das universidades católicas e particulares.
De tudo o que foi exposto até o momento, pode-se dizer que a idéia
da universidade particular, (que não tem o significado de fundação
univer-sitária), não é totalmente derivada da política
neoliberal do mundo contemporâneo, embora tenha sido
desenvolvida partindo do contexto colonialista e expansionista.
É certo que a política neoliberal oferece todos os elementos
para que o ensino particular se desenvolva, todavia ela tem evoluído
partindo dum contexto que estava longe da complexi-dade a que
chegou o capitalismo globalizado .
No caso específico do Brasil, a evolução da educação foi
marcada por constantes crises. A primeira a que se pode
considerar como im-portante foi produzida pela expulsão dos jesuítas
responsáveis pela formação burguesa dos dirigentes e a
catequese dos indígenas . A crise do sistema educacional não se
limitou somente a aquele período senão que se desprezou até os
dias atuais e adquiriu diferentes dimensões, o que talvez não
seria correto chamá-la crise de paradigma, senão de mo-delo : o
modelo de ensino público como dever do Estado ou do parti-cular.
Ao tomar como objeto específico as IES como instrumento que
forma e qualifica mão-de-obra, se verifica que:
"Os agentes das relações de produção que formam este
processo hoje são os monopólios multinacionais, com o que se
internacionaliza o capital, seu objetivo é buscar o máximo de
lucro e o projeto de corte neoliberal com suas propostas de
privatização, liberdade de mercado e desregulamentação es-tatal
.
O que afirma Fernando Sanchez é certo, o projeto neoliberal é
agradável, sempre que a escola, como aparelho ideológico, forme
cida-dãos aptos para atender ao mundo global, com isso tudo,
hoje existe uma nova forma de relação, os instrumentos de
dominação são mais sofisticados que no período expansionista
colonial, mas continua a idéia de poder e desta forma seria
precipitação afirmar que a crise das IESs públicas seja apenas
conseqüência da globalização neoliberal. A verdade é que, de
fato, o Estado nunca assumiu de forma integral sua
responsabilidade com a educação superior. No período colonial
o que fizeram foi outorgar à Igreja poderes para que por meio da
educação convertesse hereges em cristãos servís, "ao
contrário de uma educação laica, obrigatória, universal e
gratuita" .
Este dualismo permanece até hoje. Nos países em desenvolvi-mento
aumentaram em 50% as matrículas em instituições particulares ,
o que significa que há uma lacuna deixada pelo Estado e que este
não cumpre com a responsabilidade em atender a uma demanda que não
recebe ensino público, o que abre espaço para o ensino privado.
Sem querer incorrer em posição apologética, se se retiram do
en-sino as escolas particulares, a curto e médio prazo,
dificilmente se po-derá satisfazer a clientela por elas atendida.
Segundo Hidalgo (1.997, p. 715:764), no Brasil, entre 1991 e 1992,
40% do ensino era promovido pelo Estado, o que faz supor que os
outros 60% correspondem ao setor privado e fundações.
Ao analisar o que afirmam a UNESCO e o Banco Mundial para o
desenvolvimento da América Latina, destacam-se dois aspectos
impor-tantes: primeiro, que o Banco Mundial orienta para a
diversificação das IESs e o desenvolvimento de instituições
particulares, redução das des-pesas públicas, citando como
exemplo os êxitos do Chile. Seria coinci-dência ou o Banco
Mundial, principal advogado do neoliberalismo, está utilizando
como referência, exatamente um país onde a ditadura de Pi-nochet
foi sustentada pelos EUA?
Segundo, é de estranhar que a UNESCO não pronuncie sobre o tema
do pagamento das matrículas, além do que estimula a entrega ao
setor privado, inclusive às famílias com poder econômico, do
processo educacional. Por que é que a UNESCO trata com cautela
esse tema? Acaso o silêncio não é uma forma de assentimento?
De todo o exposto, verifica-se que ainda existe uma escuridão ao
tratar o ensino privado. Os organismos internacionais não
desejam comprometer-se e nem sequer assumir uma posição mais
contundente do fato de que, os Estados necessitam atender a política
do Banco Mundial e FMI, como condição para obtenção de
recursos e, ao mesmo tempo garantir o ensino público em todos os
níveis.
A falta de uma política com critérios objetivos e claros, pelo
me-nos no caso do Brasil, tem levado ao clientelismo ao tratar do
financia-mento das IESs, além da incapacidade de formular "programas
que va-lorizassem as iniciativas comunitárias e as projetem como
alternativas para o ganho empresarial, como é o caso das Fundações
Universitárias" .
O que se deseja salientar é que há muitas instituições, como
é o caso da Fundação Comunitária Tricordiana de Educação,
da Cidade de Três Corações, Estado de Minas Gerais, Brasil,
entidade sem fins lu-crativos, que tem como objetivo principal
oferecer:
assistência aos estudantes carentes de recursos econômicos,
promover e incentivar a educação mediante atividades cívicas,
sociais, desportivas, recreativas, artísticas, culturais,
preparação para o traba-lho, científicas, tecnológicas e a
descoberta das potencialidades de ser e saber, oferecer
alojamento à professores, ex-alunos, alunos, congres-sistas,
bolsistas, editar livros, revistas, jornais, promover o ensino, a
investigação, a extensão, além de aplicar as rendas e possíveis
resulta-dos operacionais na manutenção e desenvolvimento dos
objetivos esta-belecidos. Oferece, também, material escolar e
atenção estomatológica aos alunos e funcionários, assim como
alimentação a todos os que des-envolvem uma atividade na Fundação
.
No relatório do último inventário da Fundação Comunitária
Tri-cordiana de Educação verificaram-se os seguintes resultados:
RELATÓRIO DE SERVIÇOS PRESTADOS DE 1990 A 1999
Ano Bolsas concedidas Procedimentos odontológicos *
Nº de pessoas
atendidas
1990 Não constam nos arquivos da FCTE.
13.250
9.000
1991
242
12.000
7.000
1992
282
187.500
41.883
1993
320
205.000
50.004
1994
285
209.200
47.735
1995
338
187.496
46.820
1996
713
219.846
67.439
1997
1.121
140.423
54.428
1998
1.460
141.581
53.897
1999
2.003
33.486 *
6.749 *
* Raios X / Procedimentos Individuais e Procedimentos Coletivos /
Operação Saúde
A Fundação Comunitária Tricordiana de Educação é mantenedo-ra
da Universidade Vale do Rio Verde, UNINCOR, e ainda do Colégio
Universitário de Aplicação. Instituída em 7 de junho de 1966,
pelo De-creto nº 9.843, com o nome inicial de Fundação
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Três Corações.
Posteriormente, em 1974, sua de-nominação foi alterada para
Fundação Tricordiana de Educação, atra-vés do Decreto nº 16.719,
de 8 de novembro de 1964. Atualmente, com denominação de Fundação
Comunitária Tricordiana de Educação, re-conhecida como de
utilidade pública municipal, estadual e federal, re-gistrado no
Conselho Nacional de Assistência Social.
A Universidade Vale do Rio Verde foi criada pelo parecer CEE/MG nº
8.90/97, de 12 de setembro de 1997 e pelo Decreto Estadual nº 39.079/97,
de 23 de setembro de 1997, credenciada, finalmente, pelo Decreto
Estadual nº 40.229/98, de 29 de dezembro de 1998.
O Colégio Universitário de Aplicação, mantido pela Fundação
Comunitária Tricordiana de Educação, possui o curso infantil,
em qua-tro níveis (maternal, jardim I e II e pré-escolar), o
ensino fundamental, com oito séries, o ensino médio e os cursos
técnicos profissionalizantes de Processamento de Dados e Prótese
Odontológica.
Na esfera superior possui quatorze cursos de graduação: Admi-nistração,
Biologia, Ciências Contábeis, Ciências Sociais, Geografia,
História, Letras, Matemática, Odontologia, Pedagogia,
Psicologia, Quí-mica, Ciências da Computação e Farmácia, e
mais nove habilitações: Administração Escolar, Biologia,
Inspeção Escolar, Português e Inglês, Português e Francês,
Orientação Educacional, Psicólogo, Química e Su-pervisão
Escolar. Na pós-graduação Latu Sensu, são vinte e dois cursos
de especialização. Na pós-graduação Strictu Sensu, funcionam
quatro mestrados e um doutorado.
Sob a manutenção da Fundação Comunitária Tricordiana de
Educação, a Universidade Vale do Rio Verde, UNINCOR, lançou
bases para dois campos avançados nas vizinhas Cidades de São
Gonçalo do Sapucaí e de Caxambu. Conseqüentemente, com a criação
de novas graduações, com apoio de toda a infra-estrutura necessária,
desde la-boratórios e bibliotecas.
Da enorme estrutura hoje existente, destaca-se a biblioteca com
mais de 43.556 títulos e 129.772 exemplares. Somando-se a isso,
mo-dernos laboratórios do Instituto de Ciências da Saúde,
INCIS, como atualizados equipamentos de informática.
Na área esportiva, a Fundação Comunitária Tricordiana de Edu-cação,
possui moderníssimo ginásio poliesportivo, destaque da região,
mantendo equipe de voleibol masculino, participante de
campeonatos regionais, nacionais e internacionais.
À frente, desta gigantesca obra, há mais de três décadas,
encon-tra-se o Magnífico Reitor da Universidade Vale do Rio
Verde, o Professor Doutor José Maria Ferreira Maciel, baluarte
das ciências, das artes, da educação e do ensino na região do
Estado de Minas Gerais.
A Instituição de uma fundação com caráter comunitário,
voltada principalmente para os jovens mais humildes, com influência
em inú-meras cidades, só poderia ser originária do tirocínio
de homem empre-endedor, que desmerecendo as posses particulares,
sempre almejou o patrimônio cultural de muitos.
Nosso país, lamentavelmente, entregou sua soberania, bem como
sua auto-determinação nas gerências das políticas
educacionais ao cumprimento dos corolários dos organismos
internacionais. Em fla-grante abandono do ensino superior,
exatamente no grande contingente de pessoas mais humildes. Por
outro lado, mantendo com dificuldade a estrutura de IES público
para atender os membros das classes domi-nantes, exatamente,
aqueles que são capazes de vencer o acesso à uni-versidade pública.
A Fundação Comunitária Tricordiana de Educação é um exemplo
da contribuição à comunidade e corrobora a hipótese de que
algumas fundações não podem ser analisadas sob os mesmos parâmetros
das universidades particulares, ainda que estas declarem nos seus
estatu-tos que não possuem fins lucrativos.
Negar a relevância de algumas fundações no contexto atual, em-bora
esteja dentro de um sistema capitalista, é manter-se no caminho
único da infância do esquerdismo político.
É interessante saber que não se ouve falar de críticas sobre
fun-dações que tratam da música, das artes plásticas, da infância,
da ado-lescência e da mulher, da mesma forma como as que se lançam
sobre as fundações universitárias.
Há outros aspectos interessantes: organismos internacionais,
como o Banco Mundial e FMI, estabelecem condições muito rígidas
para liberar investimentos, logo, os Estados são obrigados a
reduzir recursos destinados ao ensino superior. Tal política tem
interferido de forma la-mentável, por exemplo, na superação e
aperfeiçoamento do pessoal, fa-zendo com que as IESs passem pelo
risco de transformar-se em Insti-tuições de 3º grau.
Outro exemplo é a falta de orçamentos para bolsas de estudo nas
áreas de mestrado e doutorado. Isso significa que quem vai
sobreviver são as fundações, porque possuem recursos próprios
para investirem no aperfeiçoamento de seu pessoal.