Pagina Inicial

Dados Pessoais

Artigos Jurídicos

Bibliotecas

Cinema

Debates e Opiniões

Livro de Visitas

Jurisprudência

Jornais e Revistas Livros Legislação Magistério Ministério Público Músicas Trabalhos Profissionais

Ex.mo Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Passos-MG.



Ação Civil Pública.






"Deus é a Lei e o Legislador do Universo".
Albert Einstein.



Disse também Deus: "Produza a terra animais viventes segundo a sua espécie, animais domésticos, e répteis, e animais selváticos, segundo a sua espécie. E fez Deus os animais selváticos, segundo a sua espécie, e os animais domésticos, e todos os répteis da terra (cada um) segundo a sua espécie. E viu Deus que isto era bom..."
Gênesis, 1, 24-25.



"O homem está construído sob o mesmo tipo ou modelo geral que qualquer outro mamífero".
Charles Robert Darwin.



Este representante do Ministério Público, na titularidade da Curadoria de Defesa do Meio Ambiente, valendo-se de suas funções institucionais, dentre outras aquela positivada no art. 129, III, da Constituição Federal, vem a presença de V. Ex.ª propor a presente Ação Civil Pública com pedido de liminar, sob o propugnáculo do art. 1.º, I, e art. 4.º da Lei n.º 7.347/85, c/c, art. 32 da Lei n.º 9.605/98, art. 1.º, art. 2.º, § 3.º e art. 3.º, I, do Decreto n.º 24.645/34 e art. 804 do Código de Processo Civil contra:


o Governo Municipal, com sede na Praça Geraldo Silva Maia, 175, na pessoa do senhor Prefeito

e

o Sindicato Rural de Passos, com sede na Avenida JK, 842.


Fatos


Fulano de Tal, Presidente (em Passos) da Sociedade Protetora dos Animais, noticiou ao órgão ministerial (segundo liberalidade do art. 6.º da Lei n.º 7.347/85), em 8/5/98, sobre fatos a priori ensejadores da propositura de Ação Civil Pública, quais sejam, a realização de "Rodeios", por ocasião da 35.ª EXPASS (Exposição Agropecuária e Industrial de Passos).
Munido de documentação pertinente, alertou-nos a respeito da crueldade e dos maus-tratos a que são submetidos os animais, nos Rodeios.

Com efeito, o "rodeio", como modalidade "recreativa", surgiu nas unidades federadas ruralistas dos Estados Unidos. Trata-se de prática dita "esportiva", em que um "cowboy" cavalga o dorso de uma montaria, mormente um cavalo ou boi, que salta com tresvario impressionante. Vence o vaqueiro que sobrepujar os outros no tempo de montaria sobre o quadrúpede.

A prática do rodeio tem-se revelado um negócio milionário, atraindo interessados de toda estirpe, quer seja da TV, que transmite os eventos e aufere dos patrocinadores emolumentos surpreendentes, quer seja dos empresários do setor têxtil, que produzem e comercializam a badalada moda "country", quer seja do setor fonográfico, que lança canções correlatas. Nem mesmo as municipalidades prescindiram de incluir em suas pautas anuais eventos que encerram rodeios, porquanto geradores de divisas para as Prefeituras, sem olvidar, outrossim, que (tais eventos) fomentam a atividade informal, que fornece toda sorte de gêneros alimentícios, nas proximidades dos parques em que os rodeios são realizados.

Todo o exposto seria muito saudável e digno de louvor, porquanto aquece a economia e gera empregos, não fossem os subterfúgios empregados pelos organizadores de rodeios para que os animais se apresentem nas arenas com todo aquele frenesi, tresvariados, saltando e escoiceando com uma excitação incomum, não notada nem mesmo nos quadrúpedes criados in natura. O furor dos quadrúpedes, na arena, que insufla um sentimento de histeria quase irracional no atônito público dos rodeios é alcançado com o uso de petrechos contundentes, que causam dor terebrante nos animais, a saber:

§ sedém;
§ peiteira;
§ sinos;
§ choque elétrico;
§ choque mecânico.

O sedém (ou sedenho) é um cilício de sedas ásperas e mortificadoras, fortemente amarrado na virilha do animal, comprimindo-lhe os órgãos genitais. No momento em que o animal sai do "box" para a arena, um "peão" puxa a tira do sedém, causando constrição dos testículos, razão pela qual o animal se mostra impertinentemente agressivo, mesmo quando o vaqueiro é deitado ao chão, continuando a escoicear com veemência até que se aproxime outro peão e afrouxe-se-lhe o sedém.

A peiteira é uma corda de couro amarrada em torno do peito do animal, que causa extremo desconforto e lesões, na medida em que tenta desvencilhar-se dela, em razão de causar-lhe asfixia.

A despeito de não causar dor física patente, os sinos, colocados junto à peiteira desnorteiam o animal, contribuindo para o bizarro espetáculo.

É comum, outrossim, quando da saída do box para a arena, um choque elétrico no bojo do animal, como forma de "estímulo", tudo para tornar o "show" dinâmico. Afinal como desdenha a máxima, "boi que não pula é picanha..."

Veja-se, pois, que euforia do público é conseguida às custas do infortúnio desses animais; vale dizer, todo o negócio dos rodeios é sustentado pela fustigação desses quadrúpedes.

Com efeito, o legislador, imbuído do mais alto grau de civilidade, se ateve para as mazelas a que os animais podem ser submetidos, e não prescindiu de positivar sua preocupação, a exemplo do que vem ocorrendo concomitantemente no Direito alienígena. Destarte, ainda que de modo incipiente, já em 1.934 dispunha:

Todos os animais existentes no País são tutelados pelo Estado. (art. 1.º, Decreto 24.645/34, grifo/negrito nossos).

Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das Sociedades protetoras de animais. (art. 1.º, § 3.º)

A Constituição, por seu turno, colimando o constante aperfeiçoamento da sociedade, a polidez de seus valores e a urbanidade de seus cidadãos andou bem, ao prescrever ao Poder Público o dever de:

Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (art. 225, § 1.º, VII, da Constituição Federal de 1.988, grifo/negrito nossos).

Não bastasse a proteção do constituinte, o legislador ordinário muniu as organizações ambientalistas e o próprio Estado-Administração, notadamente o Ministério Público, de arcabouço eficaz no combate aos reputados crimes contra o meio ambiente, num recente diploma, qual seja, a Lei n.º 9.605/98. Tem-se, no ensejo, uma patente evolução nos instrumentos de controle, ao prescrever o legislador que uma conduta anteriormente classificada no Direito Material como mera contravenção (art. 64 da Lei de Contravenções Penais - Crueldade contra animais) merece agora o tratamento de crime.

Em atenção aos mais elevados preceitos que devem nortear a conduta humana, é agora fato típico e antijurídico, pronto a merecer a mais áspera sanção estatal:

Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. (art. 32 da Lei n.º 9.605/98).

É insofismável que os animais utilizados em rodeios são maltratados, fustigados, submetidos a toda sorte de crueldades, excitados por intensa dor física, como corroboram estudos da USP, que acompanham a presente.

Já é considerável o número de municipalidades em se que suspenderam os eventos de rodeios, ou que se proibiram o uso dos petrechos fustigadores, graças à provocação de entidades protetoras à Jurisdição a exemplo de São Paulo, Franca-SP, e Santo André-SP, dentre outras. E a Lei incumbe o Ministério Público de tal provocação.


Da Medida Liminar


Presente a perspectiva de um juízo de probabilidade (fumus boni juris), e, por outro lado, ante a incerteza de que a atuação normal do direito chegue tarde (periculum in mora), torna-se imperiosa a concessão, por Vossa Excelência, de medida liminar, sem a oitiva das partes contrárias, que proíba o uso dos petrechos de fustigação comumente usados, quais sejam, o sedém, as esporas, as peiteiras ou qualquer estímulo, elétrico ou mecânico, em razão desses mecanismos irem de encontro à proteção que o legislador dispensou aos animais, sob pena de multa diária no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), além de prisão em flagrante por crime de desobediência.

Justifica-se a urgência da medida dada a proximidade da realização do primeiro rodeio, que será amanhã (9/5/98, às 19:00, conforme programa anexo).

Requer, ainda, de Vossa Excelência, em caráter liminar, expedição de ofício às Polícias Civil e Militar da localidade, para assegurar o cumprimento da cautelar pretendida.


Do Pedido Principal


Pelo exposto, requer, este órgão ministerial, de Vossa Excelência, a supressão definitiva dos petrechos fustigadores dos animais, quando da realização dos rodeios.

Requer, outrossim, a citação dos requeridos, para os termos desta, protestando provar o alegado por todos os meios de provas admitidas.

Para os efeitos processuais, atribui-se à causa o valor de R$ 128,00 (cento e vinte e oito reais).


Passos, 8 de maio de 1.998.


Paulo Márcio da Silva
Promotor de Justiça


Juliano Ribeiro de Oliveira
Estagiário

Página Anterior