Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Passos - MG.






O MINISTÉRIO PÚBLICO DO E. DE MINAS GERAIS, através de sua CURADORIA DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, muito respeitosamente, vem à presença de V. Exa. propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com pedido de MEDIDA LIMINAR, contra


Â, brasileira, comerciante, portadora da cédula de identidade n.: M/SSP-MG, titular da firma individual X, sito à Rua X;

P., brasileiro, separado judicialmente, portador da cédula de identidade n.: M-/SSP-MG, residente à Rua X;
MUNICÍPIO DE PASSOS, representado por seu Prefeito Municipal, com sede à Praça Geraldo Silva Maia, s/n, nesta cidade, pelos fatos e motivos a seguir tratados.


Conforme apurado nos autos de Inquérito Civil por nós instaurado, a Sra. Â,, explora atividade comercial denominada "TT", ligada ao ramo de comercialização de bebidas e aperitivos. Dito estabelecimento funciona no imóvel de propriedade do Sr. P., localizado à Av. XX, região que abriga grande número de residências, além de outros estabelecimentos comerciais, dentre eles um hotel e um hospital.


Como forma de atrair maior clientela, a requerida vem promovendo em seu estabelecimento, notadamente a partir das quintas-feiras, bailes de carnaval, shows artísticos, com apresentação de músicos e respectivas bandas e também sonorização mecânica. Tais eventos, regularmente, iniciam-se a partir das 21:00 horas, estendendo-se até por volta das 04:00 horas da manhã seguinte.


Todavia, o imóvel que abriga o estabelecimento, de diminutas medidas, não se revela apropriado para o exercício desse tipo de atividade posto que, além de não possuir vedação acústica que seja capaz de acomodar em seu próprio interior o infernal ruído que é lá produzido, localiza-se em região com grande concentração residencial, quase defronte ao HOTEL CIDADE, distando ainda poucos metros do HOSPITAL SÃO LUCAS. Ouvida a respeito, em data de 18/agosto/1997, a requerida admitiu a existência das irregularidades que lhe são imputadas, conforme "termo de declarações" aqui acostado.


Em data de 10/novembro/1997, perícia técnica realizada no local confirmou que as atividades exercidas no estabelecimento estão à margem dos padrões estabelecidos e que suas atividades são extremamente nocivas ao meio ambiente, com sérios prejuízos à qualidade de vida daqueles que moram nas suas proximidades.

Não obstante tudo isso, o estabelecimento comercial em comento vem funcionando de forma flagrantemente irregular e abusiva, estando em absoluto desacordo com o Código de Posturas do Município (Lei n.: 005/95), razão pela qual teve cancelado seu alvará de funcionamento, com consequente notificação acerca de suas irregularidades, pela "Vigilância Sanitária" do município.


Invariavelmente incomodados com as atividades patrocinadas pela Sra. Â,, os vizinhos têm se socorrido dos préstimos da Polícia Militar, conforme mostram a inúmeras reclamações registradas em 'boletins de ocorrência". Porém, os efeitos de tais métodos são limitados e não proporcionam a paz desejada, principalmente em face do desvalor que a requerida costuma emprestar à legalidade de suas atividades, bem como às determinações legais.


Apesar da inequívoca constatação desses fatos -comodamente e não se sabe o por quê- o Poder Executivo local, sistematicamente, vem se omitindo no seu dever de exercitar seu "poder de polícia", pondo fim à esse estado lamentável de coisas, apesar de possuir eficazes instrumentos legais, conforme comprovam os incisos XXI, XXII, do artigo 72, inciso XI, do artigo 157 da Lei Orgânica do Município e artigos 23, 24, 64, da Lei Complementar Municipal n.: 005/95, dentre outros, condição que sujeita os responsáveis pela omissão às sanções previstas na Lei Federal n.: 6.938/81.


Não bastasse essa tão prejudicial omissão, a Administração Municipal vem demonstrando prodigalidade incrível no que se refere à indiscriminada concessão de alvarás de funcionamento a tais estabelecimentos, mesmo em face da desobediência às normas de postura municipal.
De outro lado, ao tolerar que isso se dê em sua propriedade, fato que é do seu conhecimento, o Sr. P. dá efetiva contribuição para a continuidade desses transtornos, principalmente se se considerarmos que tal conduta representa uso nocivo da propriedade. Com efeito, também ao proprietário do imóvel cabe a responsabilidade de impedir seja sua propriedade utilizada de forma a prejudicar a outrem, nos termos dos artigos 554 e 555 do Código Civil Brasileiro.


De mais a mais, segundo preceito constitucional, a propriedade deve atender sua função social. A esse propósito, vem a talho o valioso magistério de VILSON RODRIGUES ALVES, em sua obra intitulada "USO NOCIVO DA PROPRIEDADE", quando afirma que


"A função social da propriedade, conceito ligado à crescente relatividade dos direitos, traduz-se numa não-contrariedade a interesses sociais relevantes pelo titular do direito de propriedade, ou por outrem, na efetivação de seus interesses particulares".


Objetivando pôr termo à grave insatisfação causada no meio social, o Ministério Público promoveu com a requerida o competente "Termo de Ajustamento de Conduta", no qual são estabelecidas restrições às suas atividades poluidoras, além de ajustar a apresentação de projeto técnico de vedação acústica do ambiente, estabelecendo, inclusive, sanção pecuniária para o caso de haver descumprimento. Lamentavelmente, uma vez mais, a requerida não adimpliu sua parte, conforme faz certo o "Boletim de Ocorrência" n.: 0520, datado de 11/janeiro/1998, lavrado por solicitação do Sr. R., o qual noticia a realização de evento musical fora dos parâmetros acordados.


O meio ambiente são e sadio, ecologicamente equilibrado, é direito do cidadão, devidamente assegurado pela Carta Republicana, em seu artigo 225:


"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Parágrafo 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados".


De sua parte, a legislação infra-constitucional dispõe de instrumentos capazes de coibir a perpetuação de tais abusos, defendendo e preservando o meio ambiente ofendido, nos moldes da clara redação dada ao artigo 3º, da Lei Estadual n.: 7.302/78:


"Art. 3º. São expressamente proibidos, independentemente de medição de nível sonoro, os ruídos:
I - ...
IV - produzidos em edifícios de apartamentos, vilas e conjuntos resi-
denciais ou comerciais, por animais, instrumentos musicais, aparelhos receptores de rádio ou televisão, reprodutores de sons, ou, ainda, de viva voz, de modo a incomodar a vizinhança, provocando o desassossego, a intranqüilidade ou o desconforto;
V - provenientes de instalações mecânicas, bandas ou conjuntos musicais, e de aparelhos ou instrumentos produtores ou amplificadores de som ou ruído quando produzidos em vias públicas".

Por seu turno, em perfeita harmonia com os ditames constitucionais, também a Lei Federal n.: 6.938/81, com a nova redação que lhe dera a Lei n.: 8.028/90, também dispõe:


"Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

I - ...
IV - à suspensão de sua atividade".





-DA MEDIDA LIMINAR



A concessão de medida liminar tendente a evitar que se eternize a degradação ambiental verificada, com irreparáveis danos à qualidade de vida e ao perfeito equilíbrio ambiental, se justifica plenamente diante dos fatos aqui articulados. Aliás, a própria Lei n.: 7.347/85, em seu artigo 12, garante a possibilidade dessa tutela.


A legislação aqui invocada, aliada à prova préconstituída e ainda aos graves fatos por nós demonstrados, de forma cabal e inequívoca, não consente qualquer espécie de dúvida quanto à ilegalidade das atividades patrocinadas pelos requeridos, os quais desprezam, insistentemente, a regulamentação jurídica a que estão sujeitos.


De outro lado, forçoso reconhecer que a natural detença na entrega da prestação jurisdicional postulada, certamente significará -além de desprestígio da legislação em vigor- o agravamento da já insuportável situação constatada, fato que poderá encerrar prejuízos irreparáveis à saúde e à qualidade de vida dos desditosos moradores e população vizinha àquela região.


Segundo a insuperável lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR,


"A doutrina clássica resume as condições ou requisitos da tutela liminar em: um dano potencial, um risco que corre o processo principal de não ser útil ao interesse demonstrado pela parte, em razão do periculum in mora, risco este que que deve ser objetivamente apurável; a plausividade do direito substancial invocado por quem pretende segurança: fumus boni juris".


Nessa mesma esteira de raciocínio, agora quanto aos princípios da efetividade do processo e da instrumentalidade das formas, é o magistério do inolvidável CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, citado por LUIS GUILHERME MARINONI em sua consagrada obra:



"Se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração da justiça".


Posto isso, nos termos do artigo 12, da Lei n.: 7.347/85, requeremos se digne V. Exa. determinar a imediata proibição das atividades relacionadas a eventos artísticos tais como bailes de carnaval, shows musicais, de qualquer espécie, inclusive através de instrumentos mecânicos, até que os requeridos (a Sra. Â, e o Sr. P.) providenciem a vedação acústica do estabelecimento, mediante prévia fiscalização deste juízo, sob pena de incorrerem em multa cominatória diária, em valor não inferior a cinco mil reais, sem prejuízo das sanções penais cabíveis em caso de desobediência.


Requeremos mais, ainda em sede de preliminar, a proibição da expedição de novos alvarás de funcionamento à estabelecimentos congêneres, por parte da municipalidade, fora dos parâmetros legais exigíveis e sem que antes seja providenciada a vedação acústica do estabelecimento.






-DO PEDIDO





1º) - A vista do exposto, requeremos a procedência do pedido, determinando-se sejam os requeridos definitivamente condenados na "obrigação de fazer", consistente na execução de obras necessárias à vedação acústica do estabelecimento, a fim de que os ruídos lá produzidos não extrapolem os limites do ambiente, adequando-o às exigências da legislação ambiental e vigor.

2º) - Que sejam condenados na "obrigação de não fazer", proibindo-os definitivamente de executar atividades sonoras naquele estabelecimento, tais como shows musicais, seja através de apresentação de bandas ou mesmo por instrumentos mecânicos ou qualquer outra atividade poluidora.

3º) - Que seja a empresa-ré condenada a se regularizar perante o órgão municipal competente, adquirindo o obrigatório alvará de localização e funcionamento.

4º) - Que seja o Município de Passos proibido de conceder alvará de funcionamento para estabelecimentos congêneres, sem antes a constatação de vedação acústica do ambiente.

Requeremos ainda seja determinada a citação dos requeridos para os termos da presente, prosseguindo-se até final procedência do pedido.


Protestamos provar o alegado através de todos os modos permitidos em direito e atribuímos à causa, para efeitos processuais, o valor de R$120,00 (cento e vinte reais).

ROL DE TESTEMUNHAS



Passos, 12 de janeiro de 1997.





-Paulo Márcio da Silva-
-Promotor de Justiça-

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